Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Viagens Pela Vida

Poesia e coisas do coração

Poesia e coisas do coração

Viagens Pela Vida

11
Fev19

MEDITAÇÃO TONGLEN

Fernando Nunes

sol a bailar no jardim do terreiro da saudade (1).

sol a bailar no jardim do terreiro da saudade (3).

MEDITAÇÃO TONGLEN

Com narinas de dragão
inspiro
o sofrimento inocente de todas as crianças,
com coração de fogo
alivio com um sopro
o sofrimento
de todas as infâncias imaculadas.
Inspiro e expiro e inspiro e expiro
no início dói,
e é estranho,
e é turbilhão de pensamentos,
e é emoções de prazer e de sofrimento…
Inspiro e expiro
e sinto-me louco,
e sinto-me em êxtase,
e triste e alegre e furioso e sereno
e só inspiro e expiro e inspiro e expiro…
Esgotar-se-á meu pequeno coração
porque
há um vislumbre que me expande ao infinito
e por fim num único instante
todas as crianças
são livres de sofrimento
na mente pacificada
que já nem é
a minha e a tua mente.
Até lá,
desapego-me destes versos
e de tudo o resto
e só inspiro e expiro e inspiro e expiro
e vou esgotando
a “minha” vida
até que só exista a vida.

Fernando Nunes

24
Dez18

NATAL SEM EGO E ENGRAÇADO

Fernando Nunes

NATAL SEM EGO E ENGRAÇADO

Festeja
com sorriso puro e de oiro,
o menino
que és tu hoje no
teu coração.
Deita fora
a tua farsa desajeitada
de adulto e
de eu sei, eu posso, eu mando.

Se abrires à meia-noite
a tua janela
e mesmo que não chova
deixa que a luz das estrelas
te lave as mágoas e
os pesos do passado.

Se cantares
à roda de uma fogueira
ardente de chamas lentas,
não temas
que as labaredas te queimem
o coração ou
que te esfarrapem a alma em mil pedaços,
porque
vislumbrarás num instante
o que há de ti
e o que há de mim
no latido de mistério estremecido na noite,
ou nos astros bailando na extensão de todos os séculos.
Sê sem medo,
sê menino
renascido no coração
tão aberto e leve
no infinito e no mistério
do teu sorriso imaculado

E eu fico só
com o latido do cão
como se aspirasse
o sofrimento de todas as crianças do mundo.

É Natal
que nos sintamos
em comunhão plena
neste instante que nasce e que morre
há sempre qualquer coisa de não sei o quê
a dizer-te, a dizer-me
que o caminho de ser feliz e de união
é aqui é aí
no “teu” e “meu” íntimo
como único coração em comunhão
de onde brotam todos
os instantes, os dias, os natais, os mistérios e eternidades e infinitos.

É Natal
abre a janela e vê
o teu sorriso no infinito,
que eu vou
comer uma filhó!

Fernando Nunes

pai natal.jpg

sentado no banco das escadarias do terreiro.JPG

 

23
Dez18

ALENTO

Fernando Nunes

ALENTO

As asas abertas
da memória
ateiam –se no silêncio.
Entre o instante e o próximo instante.
arde-me paz no coração
e esbarro-me  com fragância
de memória leve, tão leve
como fumaça
de ritual tibetano
e as imagens dissolvem-se subtilmente
sem único risco
do que foi júbilo ou sofrimento.

Vejo-me vaguear
como errante vagabundo
no espaço imaculado da consciência.
Quanto tempo assim, sem tempo, sem identidade fixa, sem aprisionamento ao pensamento e às coisas físicas?

Vislumbro a montanha
e respiro,
vislumbro  a face no espelho
e respiro.
Esqueço-me da minha respiração,
e então também
me esqueço do espírito e do coração e do teu sorriso e do sol e estrelas e liberdade.
E outra vez
a inventar, a inventar isto e aquilo.

Sorrio,
lembro-me do alento
e inspiro e expiro

Fernando Nunes

003.jpg

 

20
Dez18

NÃO QUERO SER

Fernando Nunes

NÃO QUERO SER

Não quero ser
alvorecer
vestido de vermelho
com chispas de infinito.

Não quero ser
tic tac de
sincronismo perfeito
de relógio de cozinha que
à meia-noite me abre ao mistério.
Nem sequer
quero ser
as estrelas
que te enchem a face  de tanta paz.

Não quero ser
as tuas alucinações adolescentes
com sonhos, risadas e coisas de imortalidade
esbanjadas da noite até ao alvorecer.
Não quero ser
a roda de todas as eternidades
dançando no alento
do teu coração aberto.
Nem sequer
quero ser
esta personagem que tem um passado
e se diz com futuro e
rabisca este poema.

Não quero ser
universos paralelos
e mundos psicadélicos
que inventas e que te aprisionam
em paraísos inexistentes.
Não quero ser
o amor de um anjo ou
o terror de um diabo.
que oscilam entre dor e prazer.
Nem sequer
quero ser
a terna infância
tão imaculada e pura
dos teus olhos não nascidos.

Por último
quero ser
cosmo despido de
todas as máscaras subtis e pesadas.
Quero ser
melodia silenciosa
que te sussurra eternidade,
quero ser
poesia não nascida
e palco de teatro
onde te observo como terno dançarino
mesmo quando bailas desajeitado.
Quero ser,
Quero simplesmente ser sem nada ser.

Atrás de todas as coisas que existem
há a liberdade
do teu respirar
e no meu sorriso.
Mesmo quando nossos cadáveres
descansarem na terra crua
haverá o respirar e o sorriso
das coisas não nascidas e, simultaneamente, já são nascidas

.

.

Não quero ser

.

.

Fernando Nunes

sol a bailar no jardim do terreiro da saudade (1).

 

18
Dez18

E TUDO O QUE NÃO SOU, SOU

Fernando Nunes

E TUDO O QUE NÃO SOU, SOU

Tudo o que sou
e o que penso que sou
e tudo o que me engano
e digo que não sou,
sou eu e não sou eu.

Tarde cinzenta
encafuada
num peito e noutro peito…
Que é alegria
que é tristeza.

Esplendor ardente
acima de negrume de nuvens,
vislumbro-te além de meu vislumbro,
são olhos de infinito e de silêncio
que
em mim também é infinito.
Luzeiro , bailado de sol ,
fulgor por cima de
negrume que embacia
cidade de papel ou tão pesada,
mas eu quero-a leve, transparente como pensamento…

Melódica, bate a chuva
a à tua, à minha, a cada uma janela
e a todas as janelas desta cidade,
e é brilho de sol
nas cistas de lágrimas que o céu chora…

As gotas por instantes
suspensas nos teus lábios
ou em brilho de meus olhos,
escoam-me na rua e rio e céu e sol e galáxias

E tudo o que não sou, sou

.

.

Fernando Nunes

chuva na janela (1).JPG

chuva na janela (2).JPG

chuva na janela (3).JPG

 

17
Dez18

1995 EL CHORRO

Fernando Nunes

Uma frase que ao invocá-la te ecoe no coração para um estado de presença que vai além da lembrança de outrora, mas que te faz reviver um fragmento significativo da tua existência sem ficares aprisionado a esse pedaço de memória, porque tens a consciência que a vivência não foi o mais importante, porém a liberdade que te proporcionou.

 

Vou gritar até as palavras ecoarem em vales silenciosos e serenos da memória, “El Chorro! El Chorro oooo ooo oo o.”. Serena Fernando, respira, porque as escarpas rochosas, o desfiladeiro com o Caminito Del Rey não te vem arrebatar o sossego desta manhã luminosa de Dezembro. Há essa presença infinita que sustenta as montanhas, El Chorro, e que está aqui também presente como eternidade, mistério e infinito.

 

O Caminito Del Rey foi construído em 1905 no desfiladeiro para facilitar a ligação das montanhas de Chorro e Gaitanejo. O percurso de 3 quilómetros que em algumas zonas chega a atingir os 100 metros de altura por falta de manutenção foi-se degradando ao longo de décadas passadas. Só recentemente em 2015 o trilho suspenso na garganta de falésias rochosas foi recuperado.

 

Na época em que pratiquei escalada desportiva, El Chorro para a comunidade de escaladores desportivos, era sinónimo de muitas paredes rochosas, muitas vias para se escalar, muitos sectores com uma diversidade incrível de vias. Entre os muitos sectores havia o do Caminito Del Rey. Nessa época o caminho estava degradado e em muitas zonas sem gradeamento de proteção, sendo a largura do passadiço em alguns sítios do trajeto não mais de 2 metros. Porém havia riscos reais aos que se aventuravam pelo caminho, como por exemplo meia dúzia de metros onde o caminho tinha desabado e para transpor esses metros só existia um carril de ferro dos das linhas de comboios. A travessia era efetuada com uma mão na falésia e um pé ante o outro e ia-se avançando calmamente com o olhar repousado bem na horizontal, mesmo para os que não eram atormentados com vertigens não era conveniente olhar para baixo pois a sensação de vazio era imensa mesmo ali debaixo dos pés o abismo que surgia quase como se insuflasse atmosfera onde era permitido levitar. Apesar de ser possível minimizar alguns perigos como por exemplo a personagem que fazia a travessia levar uma corda de segurança que o escalador que ficava na extremidade oposta à da margem a alcançar ia controlando, nem todos adaptavam regras de segurança.

 

Pratiquei escalada desportiva entre os 24  e os 28 anos de idade. Nessa época já não via do meu olho esquerdo e a visão do direito não era perfeita. Recordo-me de chegar bem cedo à Guia, zona de escalada desportiva entre Cascais e o Guincho, e a minha visão estar nebulada como se estivesse nevoeiro, só passado algum tempo, talvez 30 minutos a visão começava a normalizar. A maioria dos fins de semanas passei-os a escalar em sítios como a Guia, Sintra, Arrábida, Montejunto, Salir e serra do Sicó próximo a Pombal, porém, ainda tive o privilégio de me deslocar uma vez a El Chorro em Espanha.

 

O início de uma viagem de cerca de 700 quilómetros que separava Lisboa do pequeno povoado de El Chorro, começou no alvorecer ainda envolto em trevas.

 

As conversas que iam afugentando o sono da noite não as relembro, mas vou dizê-las banais simplesmente para os quatro aventureiros acomodados no veículo triturarem um pouco da viagem que ia ser longa. Porém, ouve momentos que a conversa esmoreceu e só ficou aquele ruído de fundo do motor do automóvel como lembrança esgotada do panorama a deslizar através das janelas como se fossem telas virtuais. Melancolia não fatal, mas misteriosa que te aperta o peito ou a alma ou não sei quê de um momento aberto em que o passado parece desfazer-se e o instante ser leve, dissolúvel como nuvem translúcida. Esse sentimento como personagem no apeadeiro à espera do comboio, a gare solitária, uma ou outra voz fantasmagórica esticada e inaudível das esquinas obscuras e súbito cuspir elétrico de altifalantes a anunciar a chegada do comboio, estilhaçam o íntimo da personagem como se o mistério ficasse intenso e tudo incerto, era mais ou menos assim que me sentia com algumas interrogações muito subtis a diluírem-se no silêncio de fundo onde até o rosnar do motor surgia sereno.

 

Sou eu que estou a deslizar, em movimento, ou é tudo que se move em mim mesmo?

 

Não sei, nem devo ter realizado tal interrogação, porém, é um sentimento pelo qual já fui acometido quando viajo de carro e principalmente de comboio. É aquela sensação de que estou imerso em quietude e o panorama lá fora é que se movimenta em mim mesmo.

 

Para Fernando, não penses, não imagines, respira e esquece também a respiração. Deslumbramento a rasgar o horizonte, vermelho, fogo puro, fogo no sol prostrado em esplendor no alvorecer e no meu coração. Devo simplesmente ter respirado profundamente e subtilmente e sossegar na serenidade do novo dia a expulsar as trevas, porque êxtase sóbrio só nos dias vindouros, só no mistério, no infinito de quimera em El Chorro.

 

Na manhã de Dezembro em que principiei a escrita deste relembrar o sol era límpido, cristalino de oiro genuíno a pulsar alegria, hoje há melancolia húmida e peganhosa na atmosfera. Dependendo da tua perceção, poder-se-á afirmar que o amanhecer soalheiro  é um dia bonito, e a madrugada cinzenta envolta em trevas é um dia triste. Porque adoro sol, vou dizer-te que o dia de sol senti-o radiante e hoje esta manhã sinto-a tristonha, porém, existe esse ser silencioso no meu íntimo, essa presença serena que está além da alegria ou tristeza, que simplesmente se sente livre e em paz. Que é o sentimento que se realça hoje aqui nesta manhã “tristonha” e no dia “alegre” e em “El Chorro” e até em momentos de sofrimento, de ansiedade em que o desespero se esgotou e subitamente só serenidade e paz. Hoje tenho a consciência que esse estar-se bem com a vida independentemente das circunstâncias é possível, mas vislumbrando o passado sei que essas vivências sublimes em plena comunhão com a natureza, com o cosmo foram relevantes para que hoje continue a expandir a consciência para ser mais livre.

 

El Chorro no início não se revela assim uma visão súbita e brutal e ainda bem, porque quando chegámos depois de fazer a inscrição no pequeno abrigo de montanha , metemo-nos no automóvel e rumámos a umas paredes bem próximo do abrigo, porém o panorama embora espetacular adivinhava surpresa para o dia seguinte. Queria e precisava de dormir bem e, provavelmente, se me defrontasse nesse final de tarde com os sectores que na manhã seguinte me aguardavam, teria adormecido demasiadamente excitado.

 

Era Junho e o calor do sul de Espanha já se fazia sentir em El Chorro, por isso o abrigo estava praticamente vazio e o 1ºandar só nos alojava a nós, os quatro escaladores de Portugal.

 

A verdade é impossível ser descrita em palavras, esta não é uma verdade absoluta, final, porém, é preciso ir a El Chorro e, mesmo que não sejas um trepador de rocha, caminhares por alguns trilhos mais emblemáticos , não me refiro propriamente al Caminito Del Rey, aliás, se um dia decidires visitar El Chorro já poderás caminhar no Caminito Del Rey sem receios de caíres no abismo porque desde 2015 o Caminito Del Rey foi restaurado e  transformado em atracão turística, o próprio sector situado no caminho com vias a iniciarem-se com o vazio por de baixo dos pés estão inacessíveis a todos os amantes das paredes rochosas, isto é porque foi proibido escalar no caminho com pretexto que os escaladores incomodavam os visitantes com o material de escalada um pouco espalhado no passadiço.

 

Que horas são? Que horas seriam nessa madrugada que despertei num beliche do refúgio de montanha? Não sei, não quero o tempo, preciso de estar, de ser o próprio silêncio subjacente ao tempo

 

Há uma leve claridade emoldurada na parede atrás de mim, movo-me lentamente como se tivesse receio de acordar os meus companheiros, deslizo suavemente até me abeirar das vidraças. O alvorecer desperta-me para que eu invente novamente o universo. As falésias que vislumbro daqui, surgem-me como se brotassem da obscuridade vazia da noite e o sol estendido no topo da verticalidade irregular das paredes rochosas. É tudo mágico e faço no vidro, que começa a ficar embaciado do meu bafo, uns rabiscos infantis, talvez para confirmar o concreto, o real, ou não, ou as duas partes da existência que é simultaneamente real irreal.

 

Mochilas às costas, recomeço da caminhada rumo às vias com o João a escolher os sectores do primeiro dia de escalada e com paragem obrigatória no bar junto à estação do caminho de ferro.

 

Café forte com conversa tranquila, pausada. Vou assimilando o panorama que me circunda, que é sublime, mas não é só a beleza da natureza a realçar-se. Há uma espécie de Ino silencioso  que vibra no ar, como se estas escarpas rochosas tivessem contaminado o cérebro dos escaladores com êxtase e, consecutivamente, os escaladores retribuíssem o júbilo que lhes aflora do íntimo da alma, do coração, do que tu lhe quiseres chamar. El Chorro, é esta a atmosfera que se vive por aqui, nas conversas, nos sorrisos e no brilho dos olhos em sincronia com o sol.

 

Esta é uma escola de escalada desportiva que tem sido muito acarinhada pelos portugueses, isto é por ser um dos locais mais próximos a Portugal que têm uma diversidade incrível de vias, desde as de poucos metros de altura, até vias mais altas de vários largos. Já a dificuldade das vias, existe aqui de tudo e para todos os gostos, vias de inclinação negativa, até vias de fácil escalada, são mais de 1500 vias espalhadas por vários sectores. Porém, o que mais atrai a comunidade de escaladores desportivos é o ambiente que se vive aqui, a fantástica comunhão com a natureza silenciosa que nos conecta à nossa essência mais verdadeira do coração, os próprios percursos até a alguns sectores que têm algo de quimérico e, simultaneamente, de aventura. Respira-se por aqui muita pujança física, mas o objetivo principal da maioria dos escaladores de rocha não é conseguir escalar vias mais e mais exigentes fisicamente, existe uma espécie de estilo de vida na comunidade dos “fanáticos” da rocha. Se há escaladores que só pensam no grau de dificuldade, que treinam para o impressionismo, perdem o mais belo e essencial desta dança na vertical.

 

“Em Abril, quando estive aqui, também cá estava o Paulo e o Brasileiro.”.”

 

Os meus olhos repousados no horizonte, desviam-se com curiosidade para o rosto do João. O Paulo é um dos escaladores mais míticos de Portugal, tanto pelo estilo de vida que tem adaptado, tanto pela grande forma a escalar vias. Já viveu como errante por terras de Espanha, diz-se que arrendou o apartamento e, com a renda mensal, veio viver com a namorada para Espanha, iam acampando ou ficando alojado num refúgio dos sítios que disponham de refúgios de montanha e, quando o dinheiro era escaço, trabalhava um pouco até ter mais guito para escalar mais algum tempo e vaguear entre escolas de escalada. A imagem que me surge do Paulo, é uma espécie de hippi das paredes rochosas.

 

“O Paulo com o Brasileiro, já depois da meia-noite, meteram os frontais na cabeça e foram fazer o Caminito Del Rey, só que cada um levava para ir bebendo no trajeto, levava, levava uma cerveja de 1,5L!”.

 

Silêncio, nada de exclamações. Apesar da boa forma física da maioria dos escaladores e da expansão de consciência que esta prática proporciona, por aqui às vezes também se cometem excessos e adaptam-se práticas não muito condizentes com exercício físico, mas há um está-se bem, um está-se bem de respeito mútuo pelo outrem, isto é mesmo com os que discordam de tais práticas.

 

O ruído arrastado da cadeira da esplanada do café surge-me harmónico no contexto de toda esta paz deslumbrante, mas já não escrevo no presente porque ainda estou confinado às memórias, aos desejos e ao contornos do físico, do que designo de eu, do que a mente criou como identidade individual, separada, mas é atrás de tudo, inclusive da mente, antes da mente nascida que desconfio de um outro EU imutável. E relembro, às vezes como se relembrasse cá de dentro, outras vezes como estivesse além do eu, além da própria experiência, além do tempo e distância.

 

Piso o passadiço de ferro, este não é o do Caminito Del Rey, o passadiço tem gradeamento de proteção de ambos os lados, é o passadiço da ponte de ferro da linha de comboios que rasgam estas montanhas.

 

Do lado direito a linha do comboio, panorama brutal talvez a mais de 50 metros por de baixo dos meus pés, ao meu lado esquerdo o rio com o começo da garganta rochosa de onde de um dos lados tem início o Caminito Del Rey. Silêncio compacto, sólido e simultaneamente subtil, águas lá no fundo esverdeadas e serenas.

 

Caminhámos emudecidos, embora os nossos passos não ecoassem, sentia-os como se ecoassem no abismo, no vazio e, subitamente, como se essa vastidão fosse expansão da minha própria consciência. Mesmo no final da travessia da ponte que tem aproximadamente talvez, talvez porque a memória não me dá essa informação com exatidão, talvez 100 metros, passa um comboio que faz estremecer levemente a estrutura de ferro. OK, nada de adrenalina, o caminho na ponde é seguro, gradeamentos estáveis e altos.

 

Após a travessia, estagnámos os quatro, ali mesmo à saída da ponte surgia-nos o Caminito Del Rey, tão humilde, tão simples e tão ingénuo. No máximo com 2 metros de largura, sem gradeamento de proteção como se flutuasse, como se levitasse e lá a mais de 100 metros a baixo o rio. Era quase como convite irresistível, uma espécie de sussurro que afirmava que nada de trágico podia acontecer, que talvez ali já se vencesse a gravidade e que flutuássemos. Ora não sei se duvidei da solitude da vida, não sei se me interroguei, provavelmente não, não nada, somente estava ali com toda a minha perceção, com todo o meu ser.

 

A intenção não era irmos escalar vias no sector do Caminito, porém a minha irmã a confirmar-me a ~existência como concreta, real, “Nem penses! Nem um pé no caminho! Estás louco, sabes que vês mal, não é?”.

 

Fiquei com a minha irmã a ver o João e a Cristina a afastarem-se alguns metros, só até o passadiço subitamente desabar no abismo, uma meia dúzia de metros cujo o caminho era reduzido a um único carril de ferro. O João e a Cristina retrocederam porque nosso objetivo como disse não eram as vias no desfiladeiro, o João simplesmente tinha ido mostrar à Cristina como era o início do trajeto de aventura na frágil trilha cravada na rocha das paredes fantásticas.

 

Urgência, urgência queria chegar rapidamente ao sector escolhido para escalar, precisava de escalar, precisava de me sentir leve, de dançar ao ritmo sincrónico do silêncio e da minha própria respiração, mas ainda existia o restante do percurso para caminhar. Afinal já não tinha urgência. Entrámos pelas escarpas adentro, isto mesmo porque penetrámos num dos muitos túneis que rasgam as montanhas para que os comboios as possam atravessar. Apesar de quimérico o percurso faz-se com segurança, isto é porque entre as paredes do túnel e da linha de ferro há uma distância de aproximadamente uns 2 metros e os comboios circulam a baixa velocidade e, ao entrarem nos túneis, apitam como sinal de alerta aos caminheiros.

 

Depois das trevas dos túneis, a desembocarmos numa luminosidade esplêndida, escarpas de ambos os lados, não vias muito altas, entre os 15 e 25 metros de altura com as plaquetes a luzirem. O sector estava silencioso, solitário, nem um único tilintar de um mosquetão.

 

O João ia-nos dizendo o nome das vias e o grau de dificuldade. Aqui na desportiva a filosofia de escalada é diferente da escalada clássica. A clássica pode-se dizer que é uma prática de aventura, de em maior ou menor grau, é uma escalada com riscos evidentes principalmente porque as proteções são fixadas na rocha conforme se vai realizando a subida, por exemplo fixas em fissuras e, por isso, existe a possibilidade de em caso de queda a proteção soltar-se da rocha. Na desportiva, os riscos são minimizados porque as vias são previamente equipadas com plaquetes, ou seja a via é estudada, ensaiada com a corda por cima e, posteriormente, é equipada para a eternidade porque a rocha é furada e as plaquetes ficam aparafusadas à parede. A via é então batizada e, depois, de alguns escaladores experientes a terem encadeado é definitivamente classificada com um determinado grau de dificuldade. Obviamente que embora mínimos, mesmo na desportiva há alguns riscos como algumas vias mais expostas ou quando as proteções ainda estão muito próximo ao solo e o escalador está a passar a corda no mosquetão colocado na plaquete, neste caso em algumas vias se houver uma queda do escalador por ter demasiada corda larga e estar próximo ao solo pode ir embater no chão.

 

“Ainda existem aqui manchas de sangue, foi nesta via que aconteceu a tragédia da última vez que estive cá.”, - o João falava e esticava o braços na direção da segunda proteção da via. “Foi um inglês, era a esposa que lhe estava a fazer segurança, ele já tinha a corda esticada estava mesmo a passar a corda no mosquetão quando caiu veio embater ali mesmo, ainda lá se encontra manchas de sangue. Disseram-me no refúgio que um escalador desatou a correr até ao café, chegando lá telefonou de imediato para os socorristas, veio um helicóptero que resgatou o Inglês, mas quando chegou ao hospital já ia sem vida.”.

 

Silêncio. A plenitude, a grandiosidade da vida e, simultaneamente, a fragilidade como lembrança da preciosidade da existência.

 

Caminhámos em silêncio. Havia algo de ingénuo e infantil na leveza e luz daquela manhã, talvez a ternura de todos os sorrisos de todas as crianças do mundo suspenso no imutável, não sei.

 

“Fernando, como é? Queres tentar esta via à frente?”, - a minha irmã observou o João e depois a via. – “Não há crise, primeiras proteções próximas umas das outras e além disso até a terceira proteção são presas enormes, a via é fixe para ti, inclinação negativa, mesmo para tipos cheios de força como tu.”.

 

A minha irmã, observou-me a mim e depois novamente a via como que a avaliar algum risco, ou não sei exatamente o que lhe ia no pensamento, mas não disse uma única palavra.

 

Tive a consciência que não havia qualquer problema, embora ninguém soubesse no percurso até às vias os meus olhos tinham turvado, o que às vezes sucedia porque já tinha problemas graves de visão. Estava próximo à rocha, à via e conseguia vislumbrar a primeira proteção a luzir, a segunda já não a via, mas pensei que depois de proteger a primeira com certeza conseguiria ver a segunda e por aí a diante.

 

Respirei profundamente, comecei a calçar os pés de gato (sapatos muito apertados com sola de borracha muito fina) e amarrei a corda no arnêse e, por último pendurei os mosquetões.

 

Primeira proteção, segunda proteção e uns 6 metros separavam-me do solo, só mais 10 metros, pensei. Estiquei os braços, meti uma mão de cada vez no saquinho de magnésio, respirei profundamente e comecei a trepar. Embora presas razoáveis sentia a gravidade em cada músculo do corpo que instantaneamente ia rodando, posicionando-se ora frontalmente, ora lateralmente, de forma a ter mais equilíbrio para progredir com o mínimo de força possível. Dureza, mas era dureza era preciso bastante força juntamente com técnica. Silêncio compacto em sincronismo perfeito com a minha respiração às vezes soprada e os mosquetões a tilintarem a cada nova proteção. Os dedos a quererem saltar das presas, não havia pensamentos de queda porque a concentração para superar os últimos passos próximo ao topo exigia superação física e mental.

 

“Vai lá, tu consegues, vai lá está quase.”.

 

Vozes pela primeira vez, a confirmarem-me que eu estava do linear das minhas forças e, simultaneamente, a dizerem-me que existe sempre mais um pedaço de força no íntimo do ser.

 

“Óooooo, treta…”

 

A parede deslizou rapidamente defronte da minha visão, o coração disparou e, depois de um leve esticar da corda a amortecer a queda, fui puxado de encontra a parede onde de imediato os meus pés se firmaram com suavidade.

 

A 2 metros do topo faltaram-me as forças e dei uma queda de 4 metros. Enfim, recuperei forças e voltei à via até a escalar ao topo. Não a tinha encadeado, mas sentia-me em paz, sereno e satisfeito.

 

Os meus pés a tocarem novamente solo firme e as lágrimas a deslizarem-me nas faces, lembrei-me de que estava com a visão turva e devo ter tido a consciência de que um dia poderia ter que dizer adeus às paredes rochosas.

 

EL CHORRO

 

Num tempo vindouro ,
ficar ciente da respiração e
do último instante.
E sempre consciente
renovar toda
a verdade
entre um instante e o próximo,
o absoluto revelar-se-á
imutável, silencioso, sorridente e infantil.
Por diversão,
com meu sopro
renovar-se-á
a vida inteira
e pela última vez
regresso a El Chorro
escalo uma via ao acaso
e sento-me numa pedra silenciosa
à espera da morte?
À espera do absoluto para mim,
onde me liberto,
onde te abraço sem te abraçar,
onde te sorrio sem sorrir.
Onde estou silenciosamente aqui e além,
onde estou subjacente a todas as eternidades

Dança na vertical,

É vida como quimera,
talvez mais próxima
do absoluto,
Não sei, não sei

Fernando Nunes

EL CHORRO (Junho 1995)0005.jpg

EL CHORRO (Junho 1995)0010.jpg

EL CHORRO (Junho 1995)0014.jpg

 

16
Dez18

EL CHORRO

Fernando Nunes

Crónica da viagem a El Chorro no ano de 1995 mesmo no final, porém, hoje deixo-te só o poema “El Chorro”.

 

EL CHORRO

 

Num tempo vindouro ,
ficar ciente da respiração e
do último instante.
E sempre consciente
renovar toda
a verdade
entre um instante e o próximo,
o absoluto revelar-se-á
imutável, silencioso, sorridente e infantil.
Por diversão,
com meu sopro
renovar-se-á
a vida inteira
e pela última vez
regresso a El Chorro
escalo uma via ao acaso
e sento-me numa pedra silenciosa
à espera da morte?
À espera do absoluto para mim,
onde me liberto,
onde te abraço sem te abraçar,
onde te sorrio sem sorrir.
Onde estou silenciosamente aqui e além,
onde estou subjacente a todas as eternidades

Dança na vertical,

É vida como quimera,
talvez mais próxima
do absoluto,
Não sei, não sei

Fernando Nunes

EL CHORRO (Junho 1995)0010.jpg

 

14
Dez18

2ª NOBRE VERDADE

Fernando Nunes

Por aqui continua-se a escrever a crónica sobre a minha ida a El Chorro em 1995, e sim nesta época o Caminhito Del Rey era mesmo uma aventura J não era um palco de atração turística,. Afirmam escaladores portugueses que conheceram o caminho antes das obras de restauração e depois das obras quando lá regressaram, foi como se tivessem levado um soco no estômago, o caminho estava repleto de turistas como formigas em carreiro. Mas a crónica fica para um dia próximo. Deixo-te hoje com um texto já arquivado à alguns meses, sobre a segunda nobre verdade.

 

Boas leituras

 

 

O sofrimento é causado pelo desejo / apego?

 

A verdade é que somos todos um pouco vítimas dos desejos. Desejamos, visualizamos, acreditamos e empenhamo-nos para conseguirmos realizar nossos desejos, até determinado ponto está correctíssimo. Afinal como muito se afirma por aí, "A vida é sonho.", sonhar é intrínseco ao ser humano, quando temos sonho nasce uma nova energia no nosso âmago, porém, nunca ou raramente pensamos que nem tudo o que desejamos se irá concretizar e que é sempre a vida que tem a última palavra. A minha experiência pessoal diz-me que é bom aprendermos a ser humildes porque de um momento para o outro a existência pode golpearmo-nos despedaçando sem dó e piedade nosso ego. Há dois caminhos, ou nos vamos libertando do ego através do amor verdadeiro, ou o sofrimento encarrega-se da tarefa.

Para terminar, diria que é salutar considerarmos sempre as duas fases dos desejos, o que pode acontecer de bom e o que pode acontecer de menos bom ou nem acontecer. E se não se concretizar, segue-se de cabeça erguida e sorriso no rosto porque a vida é mudança constante e contínua, como diz um provérbio budista, "Não se pode lavar a mesma mão duas vezes seguidas no mesmo rio.".

Duas parábolas para falar do apego, embora estas histórias narrem o oposto de apego, porém, são trágicas principalmente a segunda história e, a maioria dos mortais, reagiriam de forma diferente do que as nossas personagens.

Foi com grande perícia de profissional que se preze que o fulano conseguiu arrecadar a jóia frente as duas personagens que o atendiam com cortesia e generosidade. "Foi um prazer conversar com o Senhor, em breve estou certo que lhe trarei boas notícias, o meu sócio vai ficar entusiasmado com a possibilidade de adquirir jóia tão preciosa e única.". Fez um gesto delicado levantando ligeiramente o chapéu e saiu porta a fora.

"Senhor José, senhor José!", "Diz lá homem, estás com um ar de tragédia, o que se passa?"", inqueriu o negociante ao seu colaborador, "Senhor José, o cliente, o cliente, bom o cliente não era nenhum cliente, ele, ele roubou a jóia...." Depois de dois ou três segundos de silêncio, José sorriu e exclamou, "Maravilhoso, maravilhoso, maravilhoso!".

Embora sem entender o José  o empregado manteve-se sem dizer palavra.

Depois de todos os procedimentos que a situação exigia com a polícia, a vida do comerciante continuou sem esse se revelar minimamente perturbado apesar da jóia roubada ter um valor maior do que o restante da sua riqueza.

Dias mais tarde a polícia prendeu o assaltante devolvendo a jóia ao negociante.

"Maravilhoso, maravilhoso, maravilhoso!", exclamou novamente José. O Colaborador da loja sem conseguir conter a curiosidade, "Senhor José, não o entendo, quando o larápio roubou a Jóia exclamou maravilhoso e agora que a sua jóia foi recuperada voltou a exclamar maravilhoso?".

O bom homem explicou-se afirmando que tinha sido maravilhoso em ambas a situações não ter perdido o bem mais valioso que lhe pertencia, a paz, a paz enraizada no âmago do seu coração.

 

 

 

O apito ronco e melancólico da locomotiva anunciou a partida de um comboio naquela tarde onde a estação principal da linha férrea estava aglomerada de muitos comboios. Porque nessa época as locomotivas moviam-se a energia do carvão,, soltou-se uma baforada de fumo negro  que, por momentos, tirou quase por completo a visibilidade do Artur que andava apressadamente a olhar para o relógio, porém, numa fracção de segundos o sapato do Artur resvalou arrastando-lhe a perna para a linha que foi de imediato amputada pelas rodas da locomotiva.

 

No hospital, Artur foi informado que a sua esposa estava muito angustiada, ao que ele pediu para lhe dizerem, "Digam à minha esposa que eu só fiquei sem uma perna, e que ainda posso continuar a viver e a exercer a minha profissão de costureiro.".

 

Diz a lenda que Artur ao sair do hospital, mesmo antes de regressar a casa, dirigiu-se à estação do comboio e, com o coração cheio de gratidão,  ficou a vislumbrar a enorme locomotiva, "Obrigado, obrigado, tive tanta sorte, podia ter morrido esmagado por esta grande locomotiva.".

 

Buda disse que grande parte do sofrimento humano é causado pelo desejo e apego.

 

Conclusão: passamos parte da vida ao sabor das emoções de desejos e apegos, mas existe a possibilidade de começarmos a sentir a vida com mais leveza, mais distanciamento de nós mesmos e abrimos o coração à compaixão.

 

Fernando Nunes

001.jpg

 

13
Dez18

A VIDA COMO BANDA DESENHADA

Fernando Nunes

A VIDA COMO BANDA DESENHADA

No coração
só por momentos
o universo inteiro,
como sussurro de respiração
que nasce
e morre
a cada novo ciclo.
Um pensamento,,
novo pensamento,
um espaço aberto,
e é nesse aberto espaço
que tudo é
sem nada ser.
E é nesse aberto espaço
que tudo nasce.
que tudo morre,
sem nada nascer
e sem nada morrer.
Nesse ritmo
pulsa o coração
como se universo inteiro
a cada batida
se desvanecesse, se diluísse,
se ficasse assim vazio e sereno
e, na próxima batida, renascesse inteiro
só para mim,
só para ti.


Nesta manhã melancólica
de um qualquer domingo,
pensei num verdadeiro sorriso
e coloquei-o no meu rosto
esse inocente sorriso
de terna criança.
Deitado no soalho
do meu infantil quarto,
desfolho o livro de banda desenhada.
Sorrio,
vislumbro a vida inteira
como desenho
de banda desenhada
e a cada batida do coração
avança a existência para
o próximo quadradinho
de banda desenhada.

Saio à rua
de braços abertos ao vento,
só para ter a certeza
que o universo inteiro
é desenho que inventei.

Ó deixa-me
ser novamente
a criança que a cada momento,
a cada sorriso
descobre a vida inteira
só aqui, só aqui
só hoje, só hoje
só agora, só agora

Fernando Nunes

limoeiro do banco de xisto001.JPG

limoeiro do banco de xisto002.JPG

limoeiro do banco de xisto003.JPG

 

12
Dez18

VIAGEM NO CORAÇÃO

Fernando Nunes

VIAGEM NO CORAÇÃO

Um vagão estrépito
estremece-me
para dentro
e para fora
de mim mesmo,
neste embalar tão infantil,
tão inocente
de incerteza,
de inquietação,
de qualquer coisa que não conheço,
que recuso em reconhecer
deste embalar
que me oscila
entre o acordado
e o adormecido.


Lá atrás
no vazio da memória,
só ecos nostálgicos, elétricos,
no anúncio de partida
num apeadeiro estremecido
metamorfoseando real em irreal
como coisa certa
em coisa incerta,
como estado sólido, concreto,
em estado líquido, vaporizado,
em vida sisada
por vida leve,
como universo inteiro
fosse somente sonho,
transparente, límpido e lúcido.

Janela de vidro
que me separa
do lá fora
neste deslizar
o linhas de ferro
ou de sonho.
Mas é este
fugir constante
que entra de um lado da janela
e foge do outro lado da janela,

árvores, montes, rio e céu.
Embalar irrequieto,
interrogo-me:
"Que espaço é este
em mim mesmo
como se eu fosse
só quietude
e a vida inteira
deslizasse em mim mesmo?".

Sigo viagem neste viver

de imenso mistério,
sigo viagem para dentro
do meu coração

Fernando Nunes

limoeiros horizonte.JPG

 

Mais sobre mim

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2018
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub