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Viagens Pela Vida

Poesia e coisas do coração

Poesia e coisas do coração

Viagens Pela Vida

02
Jun19

Quando tudo se desfaz

Fernando Nunes

dia de trovoada002.JPG

Quando tudo se desfaz

 

Não li o livro da conhecida monja do budismo tibetano, porém, nas minhas pesquisas no GOOGLE sobre meditação e budismo, brotaram-me alguns excertos do best-seller de Pema Chödrön, numa verdade gélida e cortante como uma espada que nos empurra para a beira de um precipício onde todas as certezas, ambições e desejos ficam suspenso num espaço aberto e quase que me atreveria a dizer de liberdade, embora frio e triste porque em parte o habitual da nossa mente é oscilar entre emoções extremas, o que nos ajuda a confirmar um senso de identidade, de um EU que acreditamos sólido e imutável.

 

E talvez sim, talvez não, porém experiências extremas abriram-me o coração, perfuraram-mo  abrindo-o a uma esperança de que esse espaço largo e amplo poder-me-á revelar a liberdade, a essência do ser.

 

Primeira semana do ano novo de 2018, quando alguns ainda se recuperavam da ressaca de fim de ano e outros sorriam esperançosos que no início de novo ciclo, as consolações, galáxias, estrelas, cometas e planetas se alinhassem para materializarem todas as resoluções de início de ano, era eu esmagado brutalmente pela existência.

 

Nesse dia foi um aperto no peito seguido de uma respiração mais profunda que tentava irremediavelmente afugentar aquela sensação de claustrofobia que subitamente me começou a devorar.

 

“Mãe, sinto um ardor no olho…”.

 

“Amanhã vamos para Coimbra, o teu olho está com uma pequena mancha, parece um pequeno furo, a córnea deve estar perfurada.”.

 

 

Não sei o que respondi, ou dissimulo as memórias dolorosas porque, afinal, apesar de tantos aprendizados que a vida me tem doado, continuo a ter dificuldade a entregar-me ao fluxo da impermanência, de me libertar do EU pequenino, de abrir os braços num ato de devoção genuína à existência, de dizer, “Aqui estou, aqui estou inteiro para ti vida. Aqui estou consciente da minha condição de integração no universo como partícula de pó.”. Não sei nada, não sei o mistério, mas neste instante quero esquecer-me de mim mesmo, quero simplesmente bailar ao sabor da grande dança de transmutação que é o ato da vida.”.

 

Nessa madrugada fria de início de Janeiro em que Lisboa ainda não despertara, havia quietude, silêncio e espaço.

 

Movimentei-me levemente, tive a consciência da respiração, devo ter demorado breves instantes como se me sincronizasse na realidade daquele dia que talvez negasse a mim mesmo como real como se estivesse a confirmar se ainda sonhava ou se já estava no estado de vigília, mas o sufoco no peito e uma inspiração mais profunda e oprimida não me deram hipóteses de fuga possível. Com meia volta levantei-me da cama, disse bom dia aos meus pais e enfiei-me na casa de banho sem conseguir dizer mais uma única palavra.

 

O tempo não era rápido como se estivesse a correr como o parágrafo anterior. Era lento com sensação de estagnação. Enquanto ia mordiscando a comida do pequeno-almoço, relembro-me que não havia na mente interrogações do género, “Porquê é que me está a suceder isto. Eu sou um tipo sem sorte nenhuma!”. Sinceramente seria bem mais leve se esses questionamentos me tivessem ocupado o raciocínio.

 

Sim, quietude, silêncio e espaço, de vez em quando esse espaço de liberdade que se desejava revelar no alvorecer era estremecido por um  ruído de um veículo que se esgotava como se afunilasse na avenida e, novamente, a realçar-se o silêncio, presença serena. Apesar da consciência de todo esse espaço aberto, amplo, era como se não existisse porque eu o abarcava por completo com o medo que me ia devorando por dentro e por fora, aliás, o medo começava a ser a única realidade palpável em todo o universo.

 

Um salto para dentro da angústia, porque não me vou torturar a percorrer novamente todos os quilómetros que separam Lisboa do Hospital da Universidade de Coimbra. O Ruído constante e contínuo do automóvel às vezes ligeiramente disfarçado pelas vozes murmuradas dos meus pais, luzes de outros veículos e o sol a irromper o horizonte pleno de vida alheio ao ego que me encurralava naquele estado como todos os sentidos da perceção sensorial estivessem entorpecidos… Para, para, para Fernando! Definitivamente não me vou dissolver nessa memória lenta do passado, apesar de ser quase um ato de suicídio, vou saltar diretamente para o centro da agonia, não fujo do medo, deixo-o estar aqui comigo inteiro, presente como outrora embora saiba que estou aqui ao computador, porém a emoção não me leva em desvaneios é como se me obrigasse a estar inteiro neste exato momento.

 

Depois do ar gélido e de uma leve fragância soprada das árvores, subitamente o tremor das portas de vidro a deslizarem e passos ecoados e vozes difusas e um ar sufocante e o elevador e o ritual macabro de esperar ouvir o altifalante cuspir o meu nome numa sonoridade metalicamente arranhada.

 

Embora caminhasse, sentia-me paralisado. Cerrei os maxilares e apertei o coração a negar a verdade que já sabia, mas não a aceitava como se quisesse que as palavras da médica fossem transmutadas e ao invés de ouvir, “Fernando, estás com uma perfuração de córnea, não te posso operar hoje porque não temos córneas disponíveis, mas na segunda-feira de certeza que te vou operar., ficas já hoje internado.”. Merda, merda, não acredito, não é verdade, foram os meus pensamentos talvez na esperança que a médica abrisse um sorriso e afirmasse, “Serena Fernando, isto não é verdade, nada é verdade. Sim tudo é real e, simultaneamente, irreal. Tu estás a sonhar, eu estou a sonhar, ah! Se eu conseguisse ter o poder de te fazer despertar, tu entenderias que o teu sofrimento já não seria o teu sofrimento, mas somente o sofrimento dentro do sonho cósmico que designamos de vida.”.

 

“Doutora, diga-me se existe a possibilidade de me terem que extrair o olho?”

 

“Para já não, depois depende da recuperação pós-cirurgia, mas espero que não, que nunca te tenha que extrair o olho.”.

 

Eu sabia que aquela não era a resposta mais correta, que seria mais sensato dizer, “Fernando, sinceramente, vamos tentar salvar esse olho, mas é provável que pós-cirurgia, comecem a surgir problemas e que te tenha que acabar por extrair o olho.”.

 

O berro ficou-me apertado na garganta porque queria explodir, “Estou farto desta treta! Não aguento mais blocos operatórios, cirurgias, não, não quero esta cena, nãoooooooooo! Prefiro que me extraia já o olho!”.

 

A porta bateu e eu fiquei emudecido sem ter tido coragem de berrar. A médica tinha-se evaporado como fantasma, sem uma única palavra de conforto, de encorajamento.

 

Sexta, sábado e domingo, três dias e três noites sem fuga possível e, ainda por cima, terapia de choque. À noite sentia arrependimento de quando a médica que fez a minha ficha de internamento, questionou se eu precisava de calmantes para dormir e eu sabia que sim, que precisava, porém, respondi que não. No meu interior afirmei se não enfrentasse as emoções nunca me conseguiria libertar das mesmas, que não desejava camuflar emoções, se o fizesse, numa próxima oportunidade a vida se encarregaria de trazê-las  novamente à tona da consciência.

 

Hoje é dia 21 de Fevereiro de 2019, são 9,32h e eu despertei bem cedo para fazer 30m de meditação antes de dar as boas-vindas ao alvorecer. Acabei de ir beber um café e, apesar da chuva fazer imensa falta, está um dia lindo com aquela subtil fragância de Primavera precoce. É bom sentir a gratidão do que é novo e belo, porque afinal o que nos surge como costumeiro, a cada instante tem a frescura da renovação. Porém, mesmo apreciar as dádivas da vida, dever-se-á fazê-lo com leveza, com um sorriso, com distanciamento, com desapego, o que não significa um coração frio, insensível, antes pelo contrário. A existência é incerteza, o que é belo neste momento, poder-me-á parecer horrível daqui a alguns instantes, mas a liberdade seria ver o belo em tudo.

 

Ontem após ter escrito os parágrafos  mais dramáticos, sentei-me de pernas cruzadas e abracei o medo. Não fui atrás de raciocínios, não revi a minhas histórias, nem tentei justificar a emoção. Somente tive a consciência das sensações físicas que a mesma incrementava e conectei-me à respiração que me foi abrindo à minha verdade mais verdadeira, à quietude, ao silêncio e espaço onde o medo se ia dissolvendo e o calor da confiança se ia expandindo.

 

Um quarto com três camas e duas pessoas encurraladas entre paredes sem grades. O dia tinha-se esgotado demasiadamente lento e, a primeira noite, era peganhosa, insuportável e estagnada. No silêncio noturno do hospital só uma voz oscilava, às vezes desvanecia para de imediato berrar, dar gargalhadas, criar imagens sólidas que me devoravam, que me atormentavam, “Tu vais morrer, Fernando, vais morrer, vais morrer!”, depois a mente dilatava-se com imagens do bloco operatório, dos médicos em desespero, do meu corpo a não reagir e eu morto, e a notícia trágica a despedaçar os meus pais que gritavam desesperadamente, e o meu funeral, e mais vozes, e mais prantos. E foi numa eternidade infernal que os segundos, minutos e horas iam arrastando as trevas para a primeira luz do alvorecer. Subitamente, quietude, silêncio e espaço. O fluxo de pensamentos era lento, enfraquecido, muito subtil como se os pensamentos tivessem distantes, suaves e leves.

 

O medo tinha-se desfalecido. Simplesmente eu estava ali deitado na cama do quarto do hospital, haviam as paredes, uma janela, era madrugada, começavam-se a ouvir alguns ruídos no corredor e vozes ecoadas. As paredes já não tinham o poder de me esmagarem, o tempo surgia-me quase irónico como se fosse inexistente, não havia passado nem futuro na minha cabeça. Sentia um sossego interior, uma paz solitária e muito sóbria, era como se a frescura do alvorecer tivesse dissolvido toda a solitude da noite, até as paredes que momentos antes me asfixiavam como se me quisessem esmagar, estavam subtis, a existência tinha-se transmutado de pesada e claustrofóbica em leve e espaçosa.

 

Não sei quanto tempo estive naquele estado em que me sentia mais livre. Só isso, livre e centrado, sem sensacionalismos. Eu não estava envolto em nenhuma espécie de transe, nem em a minha identidade se tinha dissolvido como se tivesse despertado para a realidade última, nem em felicidade eufórica, simplesmente a vida estava ali e eu vislumbrava-a com mais espaço e liberdade sem condicionamentos do passado ou projeções sobre o futuro.

 

O fim-de-semana, não foi fácil porque houve momentos em que os fantasmas do medo reapareceram embora não tão reais, mas queriam-me dizer, “Quem pensas que és? Nós ainda estamos aqui, se pensas que és muito poderoso, estás enganado! Vamos-te devorar!”. Não lutava, não eludia os pensamentos com outros pensamentos, deixava que o medo me apertasse o coração, que mo perfurasse. E o medo ia-se consumindo a si mesmo como se fosse iluminado por a chama de uma vela e a luz além de ter o poder de o trazer à tona da consciência, também o derretia nessa mesma luz.

 

“Medo da morte porquê, Fernando? Medo de uma anestesia geral, porquê?”.

 

Agora que te queria elucidar, que te queria explicar o medo, só te consigo dizer, “Não sei.”. E sim, eu senti muito medo, eu não sou forte, sou frágil. Quando as pessoas por vezes me afirmam, “Tu és muito forte.”. Estão deveras enganadas, mais correto seria dizerem que sou corajoso, isto é que apesar de me sentir esmagado pelo medo, não fujo, não o camuflo.

 

A morte é verdade, a morte não é nenhuma mentira, porém, afirmamos a nós mesmos que morreremos de velhice e no mínimo com oitenta anos, pensando melhor é melhor com noventa anos. E se não for bem assim?

 

“Ora Fernando, se não for, que se lixe! Estou vivo e não quero pensar na morte, quando suceder, morro e pronto!”.”.

 

Confirmam as pessoas que acompanham os moribundos na fase final de vida, o que antigas tradições afirmam, que o momento da morte é onde nos confrontamos com o maior de todos os medos imaginados e igualmente o maior de todos os sofrimentos. Porém, é possível inverter a situação e o momento da morte ser um portal aberto à liberação. Independentemente de crenças, a morte devia ser um lembrete para avaliarmos a forma como vivemos a nossa existência. Uma vida leve, simples, humilde, cheia de significado e valores reais, com certeza que nos vai presenciar com mais confiança e menos agonia no derradeiro momento da hora da verdade.

 

Segunda-feira e devo ter tido vontade de berrar qualquer coisa do género, “Maldito ritual macabro!”. Não penses que apesar do que escrevi anteriormente fiquei imerso em plenitude, a levitar na liberdade. Não, as coisas não funcionam como uma pílula mágica, tive um vislumbro de o que é ser mais leve, mais livre e, no outro extremo o oposto, sofrimento e medo, são essas vivências contraditórias que me continuam a dar ânimo para trabalhar e acreditar que a vida poder-se-á revelar mais subtil, talvez sim, não sei bem, ninguém pode ter a certeza, quando muito podemos desconfiar que existe uma verdade mais verdadeira. Escrever mais sobre espiritualidade, falar mais sobre espiritualidade, não quero, já existe demasiado desvaneio, demasiado sensacionalismo numa época em que as pessoas têm dificuldade em conectarem-se consigo mesmas, sentem-se por vezes desesperadas deixam-se eludir por soluções instantâneas, mágicas, acreditam no primeiro guru que lhes apareça ao virar da esquina com um sorriso nos lábios e a afirmar que é um ser iluminado, desperto, li que devíamos considerar todas as pessoas como seres despertos, iluminados e por isso respeitarmos todos os seres com quem nos cruzamos, mas agora vou dizer-te não acredites numa pessoa que se designe como um ser iluminado porque ninguém sabe se isso é verdade.

 

“Fernando, já estou aqui com o teu pai, estás-me a ouvir?”.

 

Os lábios da minha mãe tocaram-me a face com carinho e senti as mãos do meu pai a acarinharem-me as minhas mãos.

 

“Sim, mãe, neste preciso instante estou no futuro a escrever o que me está a suceder hoje, eu já não tenho certeza de nada. Sabes mãe não tenho a certeza, nem quero ter, estou bem, estou sóbrio, sinto o infinito, o mistério inteiro, sinto a liberdade de simplesmente ser e, simultaneamente, o meu coração está aberto ao sofrimento de todas as crianças. Já reparaste mãe, pai em todo o sofrimento inocente? Quero que o meu sofrimento alivie o sofrimento de todas as crianças.”.

 

Não dialoguei, não imaginei, não escrevi a minha resposta do parágrafo anterior.”.

 

Só sorri, só tive vontade de chorar, estava novamente muito frágil e com medo, pensei secretamente e se não acordasse da cirurgia, e se fosse a última vez que eu tivesse ali com os meus pais?

 

Ironicamente, sempre é a última vez porque morremos a cada instante, ternura por mim ternura por todos os seres porque nascemos e vamos morrendo devagarinho e se não temos essa consciência talvez até a vida seja vulgar, sem valor até que, subitamente, a morte. Não tenho tempo para filosofar a enfermeira fala-me com uma voz serena.

 

“Fernando, prepara-te, vais agora para o bloco.”.

 

Apertei as mãos dos meus pais e fiquei gélido por dentro, por fora e o meu coração derreteu nesse gelo, só ficou uma coisa do género, “Isto não é verdade, isto não pode ser verdade, isto é um sonho, eu sei que vou acordar, eu sei que vou despertar.”. Mas não, o meu pequeno EU não estoirou revelando-me o absoluto…

 

“Vamos, Fernando.”.

 

A cama chiou num arrepio metálico, havia as vozes nos corredores e as luzes por cima da minha cabeça das quais ainda tinha a perceção visual, tudo deslizava tortuosamente e, finalmente, as mãos da minha mãe a separarem-se das minhas, as portas do bloco a badalarem dolorosamente.

 

“Vai correr tudo bem, Fernando.”.

 

Vozes afáveis, o frio do bloco e toda a preparação para a cirurgia, que me surgia quase como irreal, quase como ficção científica. “Tens alguma alergia a algum medicamento? És diabético? Já tiveste algum problema *com anestesias com cirurgias anteriores?”. Respondi não, a todas as questões, “Que eu saiba não tenho alergia a nenhum medicamento, não sou diabético, e nunca tive problemas com as anestesias.”.

 

“Rápido, urgente, por favor metam-me já a dormir, melhor dizendo liquidem já a minha imaginação que projetou a existência como algo muito real, muito concreto. Ah! É melhor não porque não tenho a capacidade de ficar consciente no processo da anestesia geral, de saber que estou a entrar do estado de vigília para o de sono e, depois, sono profundo e sorrir interiormente a pensar agora estão-me a operar, e “eu” estou aqui a encontrar outra verdade.”. Obviamente que não falei, nem pensei o que escrevi entre aspas. Apesar da ansiedade dos dias anteriores, ali no bloco sentia-me sereno, tranquilo.

 

“Respira profundamente, vais dormir.”.

 

Desfalecimento total, não só do corpo, não só da consciência, mas também de todo o universo. Como se naquele instante toda a realidade se desintegrasse na minha própria perda de consciência e, ao despertar, a minha consciência inventasse novamente toda a realidade, inclusiva as histórias que me contaram sobre o tempo que estive inconsciente no ato da cirurgia.

 

Estado de vigília e sono, um ciclo contínuo que se repete entre nascimento e morte, mas existe sempre uma consciência presente, às vezes mais subtil, outras nem tanto, porém ao acordar de uma noite de sono, há aquela sessação e perceção de continuidade, de tempo. No processo de uma anestesia geral é como se a vida fosse cortada num instante e no próximo instante ressuscitada, porque não houve qualquer perceção de existência, de existir.

 

O processo de adormecer e acordar é instantâneo e simultâneo como se acontecesse exatamente no mesmo instante assim:

“Respira profundamente, vais dormir.”, “Já está, Fernando, já foste operado.”.

 

Mais rápido do que a leitura que acabaste de fazer do parágrafo anterior, porque não existe nem tempo, nem espaço, nem nada.

 

Sorri no quarto para os meus pais, eu estava ali acordado a ouvir a voz deles, as palavras afáveis e sabia que provavelmente no dia seguinte ia ter alta hospitalar e regressar a casa.

 

Verdade, na terça- feira a médica informou-me que ia sair do hospital nesse mesmo dia, “Fernando, a cirurgia correu bem, a córnea está estável, evidentemente é o quarto transplante e, por isso, o objetivo não é recuperar a tua visão, mas conseguirmos salvar este olho, mas isto tu já sabes, não é? Quero-te ver daqui a oito dias.”.

 

Ao final da tarde pisei o soalho da minha casa como se me tivessem tirado uma tonelada dos ombros. Porém, na semana seguinte na consulta no hospital, quando a médica me observou o olho, diagnosticou-me uma úlcera na córnea.

 

Dois meses em que a vida perdeu a graça, dois meses em que o ar para mim era mais sufocante, dois meses a ir a Coimbra de quinze em quinze dias… Até que no dia 9 de Março quando a minha mãe me fazia o penso, viu que o olho estava com sangue. Nesse mesmo dia fui operado de urgência em Lisboa no hospital de S. José. Extraíram-me o olho direito porque não havia hipótese de mo salvarem.

 

Estou aqui a escrever ao computador. Estou aqui, estou aqui e o mistério abeira-se das vidraças, acomoda-se no meu quarto na consciência que me parece já não estar de toda encurralada dentro dos lineares do que designo de “eu”. Não sei nada, não sei nada, mas o coração pulsa, pulsa, abre-se ao infinito, à beleza de viver e, simultaneamente, ao sofrimento do mundo. Quem sou eu? O que é a existência? Será que estou a sonhar, a sonhar que estou aqui a escrever, a sonhar que durmo, que sonho e acordo? Não sei. Não sei, mas um dia sem tempo sou íntegro com a Terra, todos os planetas, todas as galáxias, todas as estrelas, o infinito e o mistério. Nada revelar-se-á, só estar inteiro aqui, só ser absoluto, só simplesmente ser. Não sei nada, a verdade anunciar-se-á  por si mesma, sem as minhas ideias, sem a minha história, sem futuro e passado…

 

Agora abre a janela, vislumbra o céu, respira profundamente e corre comigo para a rua! Deleita-se com uma flor, fica terno com o sorriso da criança e abre-te ao mundo, aos outros.

 

Infinito.

Mistério.

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